SEMAPI sedia conversa com a ativista Emma Siliprandi
O evento "Mulheres rurais, extensão rural e agroecologia", ocorrido na tarde desta terça-feira (15/01), foi muito fértil em ideias e reflexões. Com a presença da ativista social Emma Siliprandi, o debate teve como moderadora a colega Cecília Bernardi, extensionista da ASCAR-EMATER/RS, e aconteceu no auditório do SEMAPI, na capital.
Emma, que é Agrônoma, mestre em Sociologia Rural e doutora em Desenvolvimento Sustentável, comentou sobre o ATLAS das Mulheres Rurais da América Latina e o Caribe, um estudo realizado pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) que mostra que há basicamente três tipos de trabalhadoras rurais: as assalariadas, as que trabalham por conta própria, e as que não são remuneradas. Neste último caso, a mulher trabalha na sua propriedade agrícola, mas não declara no recenseamento. A renda, neste caso, "é da família" e, na grande maioria das vezes, não retorna para a mulher porque "o homem da casa" acaba decidindo o que fazer com o dinheiro.
No entanto, a ativista relata que o número de mulheres que tem afirmado que trabalha no campo vem aumentando. Para ela, é preciso destacar a importância de sindicatos, associações e ONGs, que têm orientado e empoderado essas mulheres a se reconhecerem e se autodeclararem como agricultoras rurais.
A mulher como cuidadora também foi um tema explorado por Emma, lembrando que, além de cuidar das crianças, dos doentes, dos deficientes, as mulheres também cuidam dos maridos. Para ela, é importante frisar isso: "cuidam de um adulto que tem todas as condições de cuidar de si mesmo e dos outros, mas não faz." Dentro deste contexto, a ativista explana sobre o patriarcado e o machismo, especialmente no meio rural.
Apesar de acentuada no Brasil, essa situação de sobrecarga da mulher não é diferente em outros países. De acordo com Emma, elas não têm acesso aos meios de produção e, frequentemente, não têm a educação necessária para se desenvolver. "As mulheres sempre têm que consultar um homem para tomar as decisões, quando a recíproca não é verdadeira", diz, afirmando que muitas mulheres assinam financiamentos para o marido sem nem saber do que se trata, ficando muitas vezes endividadas. "É preciso que a mulher tenha acesso ao dinheiro", reforça.
Outra questão debatida foi a invisibilidade da mulher do campo e o não reconhecimento dos saberes adquirido por ela. De acordo com Emma, muitos técnicos desprezam essas mulheres quando vão visitar as propriedades rurais, preferindo conversar com os homens. Para a ativista, "toda a humanidade está perdendo esse conhecimento." Além disso, de acordo com a palestrante, negros, índios e quilombolas também sofrem preconceito e são invisibilizados na sociedade.
Para Siliprandi, é importante destacar o protagonismo feminino na resistência, na luta: as mulheres realizam manifestações em todo o mundo contra os agrotóxicos, os transgênicos, a pesca irregular, porque historicamente sempre foram a favor da saúde, de alimentos limpos. Para Emma, elas estão dizendo "não somos contra o progresso, somos a favor da vida", é como se gritassem que nossas vidas valem mais que o lucro dessas empresas. E diz que nutre um profundo respeito por essas mulheres que lutam porque "estão lutando por nós também."
Por fim, ela diz que as mulheres incomodaram muito a duplinha capeta (capital)/ patriarcado, e que precisamos nos preparar para momentos difíceis que virão. Mas, para a pesquisadora, talvez a gente saia mais fortalecidos e preparados para a construção de um outro futuro.
Cecília Bernardi
Cecília Bernardi, que também é engenheira agrônoma, mestre em Educação nas Ciências, com especialização em Educação em Desenvolvimento Rural, falou sobre a extensão rural e como ela ainda tem um perfil masculino. Para Cecília, ainda há dificuldade de incluir as mulheres nos processos. Outra situação complicada, de acordo com a extensionista, é que as mulheres estão cada vez mais voltadas para o cuidado e menos para o cultivo da terra. Para ela, é preciso revitalizar o trabalho com as mulheres, que antigamente se preocupavam com a diversidade de alimentos, faziam troca de sementes, de mudas. "As mulheres rurais estão sobrecarregadas e entraram no piloto-automático", alerta.
Troca de ideias
O público também pôde participar, contribuindo com pensamentos, contrapontos, sugestões, análises e exemplos. Falaram sindicalistas, ecologistas, ecofeministas, quilombolas. Destacou-se também o trabalho e as dificuldades das mulheres com deficiência e falou-se dos preconceitos que existem dentro do próprio meio rural. No final, foram entregues alguns presentes à Emma Siliprandi: uma cesta guarani e uma boneca Abayomi (que é feita sem costura ou cola, apenas nós e amarrações), do Quilombo Peixoto Botinhas, de Viamão; além de um outro artesanato, da Comunidade de Remanescentes de Quilombos Coxilha Negra, de São Lourenço do Sul.
Participantes
Participaram do evento trabalhadores da EMATER e da FEPAM, agricultoras, além de estudantes (Unisinos, UFRGS, IFRS e UFPEL) e do público em geral. Também estiveram presentes integrantes do Movimento dos Sem Terra (MST), Produtores da Rede Agroecológica Metropolitana (Rama), Projeto Núcleo de Estudos em Agroecologia e Produção Orgânica de Viamão (EcoViamão), e Cooperativa Central dos Assentamentos do Rio Grande do Sul (Coceargs). Destacamos a presença da representante do Ministério da Agricultura -RS, Michele de Castro Iza, do presidente da ASCAR-EMATER, Iberê de Mesquita Orsi, e do diretor técnico da Empresa, Lino Moura. O evento foi uma realização do SEMAPI, com apoio da Associação dos Extensionistas Sociais Rurais (AESR) e da Associação dos Servidores da Ascar-Emater/RS (ASAE).